Morde-me e beija-me e cale-me
enquanto a noite
me trucida no seu verso
feito de areia, sal e combustão
vai já longe o barco, a rede, a mão
perdida da minha, ao céu que aviso
e o que alcanço é nuvem de aço
nesta língua que me dita
o vão desejo, o esparso passo.
sou agora pedra dura, seixo amorfo
num rasto sem caminho, nortes, lados
nas velas do adeus, do abandono
cobre-me o mar os olhos desfolhados.
mas quando volta o dia
e o tempo não tem fim
encontro nos cílios a arder
paisagens de teus gestos só para mim
és na luz o rio que me alisa o rosto e fia
o corpo, sou o ventre contra ti a perecer.
tua boca, sede feliz
miragem de sonhos coroados
e ao centro em queda a nascer
nos teus alvos, como quis
água doce e azul dos fados,
semente, grão e raíz.
sou um ser que estranho e anda
na seara de inquietação
sou uma coisa, coisa e tal
que ainda que saiba manda
é que me cale.
então, afoga-me já
morde-me e beija-me
num verso brutal
esta minha boca
crivada de sal!
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